Programa dos Cuidadores Públicos: Dignidade para os idosos, renda para as famílias, economia para a Municipalidade, menos trânsito, menos poluição, crianças próximas de seus pais. Por Janaina Conceição Paschoal.

Durante a campanha eleitoral, assumi o compromisso de apresentar um projeto de lei, objetivando criar um programa para capacitar mulheres residentes na periferia a cuidar de idosos, também residentes na periferia. 

Assim que tomei posse, solicitei informações sobre os programas já existentes e, em conjunto com a assessoria, visitei vários equipamentos, com o fim de ter certeza de que a ideia concebida já não era efetivada na Capital. Para além dessa análise preliminar, experiências de outros entes federativos e até de outros países foram buscadas, sendo certo que o programa pensado, e proposto por meio do Projeto de Lei 82/2025, é inquestionavelmente vanguardista. O presente artigo decorre da justificativa apresentada com a propositura citada, que cria o Programa dos Cuidadores Públicos. Vejamos. 

A população brasileira está envelhecendo. Em São Paulo-Capital, tal envelhecimento é ainda mais acelerado. Se, por um lado, o maior tempo de vida permite usufruir mais etapas, fato é que muitos desafios se apresentam. Para além da questão previdenciária, que vem sendo enfrentada por meio de reformas sucessivas, doenças antes quase inexistentes passam a se manifestar, com destaque para as várias formas de demências.

O surgimento dessas enfermidades compromete a família de maneira mais significativa que o próprio afetado. Muitos são os casos de cônjuges que precisam se encerrar na doença do parceiro. Inúmeros são também os filhos, que têm carreira e educação prejudicadas, seja para cuidar diretamente das necessidades mais básicas do idoso, seja para acompanhar em consultas e exames. Isso sem contar os gastos excessivos até para as famílias mais abastadas. 

O quadro se agrava para os idosos sem filhos, fenômeno que vem se intensificando com a redução das taxas de natalidade. 

Nesse contexto, gestores públicos findam investindo em equipamentos de convivência diária, ou até mesmo em residências de longa permanência. Tais equipamentos são necessários, mas pode haver economia de recursos, desenvolvendo política que possibilite cuidar desses idosos em seus lares. Se as famílias com melhores condições procuram adaptar suas residências para manter seus idosos em segurança, é justo que as mais carentes façam jus à assistência equiparável. 

Ao lado desse conforto para os idosos e da economia de recursos, o Programa dos Cuidadores Públicos viabilizará a geração de empregos nas regiões mais periféricas da Cidade, evitando o deslocamento demorado por longos percursos. 

No âmbito federal, a Lei 14.878/24 institui a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. Em seu artigo 4º, estatui que o enfrentamento das demências observará princípios fundamentais, com destaque para a oferta de sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente em seu próprio ambiente, a oferta de sistema de suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível, o uso de abordagem interdisciplinar para avaliar as necessidades clínicas e psicossociais das pessoas com demências, de seus familiares e, em especial, do cuidador e o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com doença de Alzheimer ou outras demências.

Também a Capital possui lei instituindo o Programa de Apoio às Pessoas com Doença de Alzheimer e outras Demências e aos seus familiares. Trata-se da Lei n. 17.547, de 12 de janeiro 2021.

O Art. 2º de referido diploma legislativo determina que o Programa de Apoio às Pessoas com Doença de Alzheimer e outras Demências terá como objetivos, dentre outros, apoiar o paciente e familiares, com abordagens adequadas no tratamento não-medicamentoso e medicamentoso, visando melhorar a adesão ao tratamento minimizando o impacto das alterações comportamentais e complicações no curso da doença e capacitar cuidadores familiares e especializar profissionais que compõem equipes multiprofissionais nessa área

Tal lei autoriza o Poder Executivo a celebrar parcerias, que procurem viabilizar a infraestrutura necessária para a implantação do Programa de Apoio às Pessoas com Doença de Alzheimer e outras Demências. Apesar de tratar primordialmente de cuidadores familiares, nada impede que as parcerias sejam firmadas com o fim de capacitar os cuidadores públicos, criados pelo projeto de lei 82/2025. 

Muito embora a legislação trazida à colação diga respeito aos idosos vítimas de demências em geral e do mal de Alzheimer em especial, o projeto de lei proposto não se limita às incapacidades da mente, sendo certo que os cuidadores públicos estariam incumbidos de zelar por idosos carentes, solitários e incapacitados também por males do corpo. Essa maior largueza está em consonância com os importantes Estatutos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência. 

Com efeito, a Lei 10.741/03, em seu artigo 3º., parágrafo 1º., inciso V, prevê a priorização do atendimento da pessoa idosa por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar

Referido Estatuto, ao tratar do atendimento à saúde e assistência social à pessoa idosa, preconiza a ida de agentes públicos a seu domicílio e, em sendo inafastável a institucionalização, a manutenção da individualidade e da identidade, o que condiz com a figura do cuidador público.   

Igualmente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/15, em vários dispositivos, destaca o caráter subsidiário da institucionalização, sendo certo que, no artigo 18, parágrafo 3º., assegura a contínua capacitação aos profissionais que prestam serviços às pessoas com deficiência, o que traz ainda maior legitimidade ao projeto apresentado, uma vez que muitos idosos são acometidos por deficiências físicas e mentais. 

O artigo 21 do mesmo diploma legal reza que apenas quando esgotados os meios de atenção à saúde da pessoa com deficiência no local de residênciaserá prestado atendimento fora de domicílio, evidenciando, uma vez mais, a prioridade que o ordenamento jurídico confere ao atendimento domiciliar. E o artigo 31, ao dizer que o poder público adotará programas que permitam a manutenção da moradia da pessoa com deficiência, também confere fundamento ao projeto de lei em comento. O constante do artigo 39, parágrafo 2º., fala expressamente de cuidadores sociais para pessoas com deficiência, respaldando de forma clara a figura dos cuidadores públicos, que se pretende criar. Reforça a importância da novel figura, a Lei 14.364/22, que estende ao cuidador a prioridade conferida aos grupos vulneráveis. 

Vale ainda mencionar que, no apagar das luzes do ano de 2024, foi editada a Lei 15.069/24, aprovando a Política Nacional de Cuidados. Em seu artigo 7º., referido diploma legislativo garante a ampliação dos direitos bem como a formação continuada e permanente nos temas de cuidado, sejam cuidadores profissionais, familiares, sociais e comunitários, ou mesmo funcionários públicos responsáveis pelas políticas de cuidado. 

A espinha dorsal do projeto em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo é conferir dignidade, cuidado e conforto aos idosos moradores da Periferia e aos demais residentes das mesmas áreas, por meio da geração de trabalho remunerado, sem os extenuantes deslocamentos para o Centro. 

A esse respeito, imperioso lembrar que, durante a campanha eleitoral de 2024, TODOS os candidatos à Prefeitura alardearam a necessidade de desenvolver as Periferias, gerando atividades remuneradas nos bairros mais carentes e afastados, de forma a poupar os trabalhadores de abandonarem suas famílias por longas horas, consumidas, não só pelo período de trabalho propriamente dito, mas também pelo tempo gasto para ir e vir. 

   O projeto é cauteloso ao apresentar graus de prioridade, seja pelas dificuldades físicas e/ou mentais, seja pela solidão, sempre avaliada a vulnerabilidade econômica dos idosos beneficiários. Mas o projeto não pensa apenas nos tomadores do serviço, prevendo, igualmente, as garantias dos trabalhadores nessa difícil missão do cuidado. Firma-se carga horária semanal máxima de quarenta horas, passíveis de serem distribuídas conforme as necessidades das partes. 

Aliás, seria desejável que os legisladores federais se debruçassem sobre a função do cuidador de idosos, com esse olhar mais flexível, pois os modelos trabalhistas vigentes raramente permitem que esses seres humanos trabalhem de forma segura e formalizada, findando a lei trabalhista por desproteger o trabalhador. 

O projeto também se revela zeloso ao destacar que o fato de receber o benefício da prestação continuada não impede que o idoso venha a contar com os serviços do cuidador público, que também não perderá eventuais benefícios sociais, ao aceitar esse relevante trabalho.  

É bem verdade que, na Capital, há um programa intitulado Acompanhante de Idosos (PAI), vinculado à Secretaria da Saúde. No entanto, além de não existir uma lei que o assegure, nesse programa, os agentes fazem visitas, mas não permanecem na residência de um idoso em especial. 

A Capital também conta com 16 (dezesseis) Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), sendo que somente uma pode ser considerada adaptada aos idosos mais vulneráveis, sob o ponto de vista da capacidade de realizar atividades básicas de seu quotidiano. 

A assim chamada melhor idade não era pauta da ora signatária; porém, ao enfrentar as dificuldades inerentes ao adoecimento de entes queridos, incluindo seu amado genitor, já falecido, percebeu a urgência de preparar São Paulo para os desafios acarretados pelo envelhecimento da população. 

Com o Programa dos Cuidadores Públicos, ganham os idosos, os familiares dos idosos, os cuidadores, os familiares dos cuidadores, a Municipalidade (por economizar com os equipamentos de convivência e de longa permanência), a mobilidade e, por conseguinte, o meio ambiente, haja vista que os cuidadores públicos trabalharão perto de suas residências, reduzindo o uso de transportes poluentes! É um programa completo! Que Câmara e Prefeito abracem! 

Por Janaina Conceição Paschoal

Deixe um comentário

seis + 4 =