Em 29 de janeiro, entrou em vigor a lei nº 12.846/13, que prevê a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contrários à administração pública nacional ou estrangeira.
Ao lado da corrupção, a lei estabelece um rol bastante amplo de atos lesivos à administração, sendo certo que quaisquer deles poderão ensejar punições severas como o pagamento de multa de até 20% do faturamento da empresa ou, na impossibilidade de aferi-lo, de até R$ 60 milhões. Isso sem contar a publicação da decisão condenatória.
Apesar de estabelecer alguns critérios para a fixação da sanção, referido diploma legal não concatena o ato à punição, conferindo grande arbítrio à autoridade que decidirá acerca da ocorrência do ilícito e a resposta estatal.
A insegurança é tanta que, para os mesmos atos que comina multas equivalentes ao confisco, a nova lei possibilita o ajuizamento de ações com o fim suspender as atividades da empresa, interditá-la e até dissolvê-la compulsoriamente. E o legislador ainda teve o requinte de dizer que essas medidas podem ser aplicadas cumulativamente!
O verdadeiro antídoto contra a corrupção é a adoção de normas claras, qualidade ausente na nova Lei Anticorrupção, que vem sendo inocentemente aplaudida nos meios de comunicação.
O quadro fica mais grave quando se constata que o legislador não estabeleceu qual será a autoridade competente para apurar e punir as supostas infrações. Fala-se, genericamente, na autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos três Poderes, sendo possível a delegação.
Ora, se não houver regulamentação restringindo essa competência, qualquer secretaria municipal poderá instaurar procedimento para aplicar multa passível de aniquilar uma empresa, prejudicando empregados e consumidores.
Pense no poder que terá um funcionário público corrupto diante de um leque tão amplo de condutas tidas como ilícitas e, pior, frente a tantas possibilidades de duras sanções. Mesmo sem dever nada, as empresas ficarão totalmente suscetíveis.
Não se está afirmando que todo funcionário público é corrupto e que todo empresário é vítima. Sabe-se que há empresários que elegem trabalhar ilicitamente. No entanto, os agentes econômicos muitas vezes se veem obrigados a pagar para obterem os documentos necessários ao exercício de suas atividades ou para poderem fornecer aos entes públicos. Em certas localidades, a situação é tão institucionalizada que quem não se submete acaba alijado do mercado.
Diante desse tipo de argumento, costuma-se questionar por qual motivo não denunciam. Primeiro, num país em que os escândalos são diários, vigora o sentimento de que todos conhecem a realidade e fazem vistas grossas.
Em segundo lugar, atualmente, são muitos os diplomas que preveem colaboração e acordos de leniência. Mas as regras são igualmente obscuras e o acordo feito diante da administração não necessariamente vincula o Ministério Público.
Isso significa que o empresário que aderir à leniência, com fulcro nessa nova lei, poderá, no dia seguinte, ser denunciado pelo crime que confessou. Percebe-se que o legislador nacional importa institutos estrangeiros sem consciência de que, no exterior, confere-se valor à palavra. O que é prometido é cumprido, até para que o sistema funcione.
Os entusiastas da nova lei têm dito que ela estimula as empresas a desenvolverem um setor de “compliance” (mecanismos internos de prevenção ao ilícito). A bem da verdade, esse efeito já decorre da legislação referente à lavagem de dinheiro. Ademais, não se pode negar que o “compliance” se transformou em um caro produto e que seus benefícios não parecem fazer frente aos malefícios que um diploma nebuloso pode trazer: o pior deles é justamente a corrupção. Parece brincadeira, mas é sério e triste.
Fonte: Folha de São Paulo
Data: 04/02/2014