Reforma do Direito Penal: quem ganha?

Apesar de ser uma tendência moderna responsabilizar criminalmente as empresas, os maiores penalistas pátrios entendem que tal medida subverte os princípios norteadores do Direito Penal, pautado na culpabilidade da pessoa física e na pena privativa de liberdade.

O novo projeto de reforma do Código Penal, dentre outros modismos, contempla a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em dispositivo amplo o suficiente para ensejar uma avalanche de novos inquéritos e ações penais(1) .

O dispositivo torna-se ainda mais assustador, quando se verifica que contempla, em seu parágrafo terceiro, uma gama enorme de novos garantidores, os quais serão responsabilizados criminalmente, por crimes bastante graves, por não terem impedido a prática de crime pela empresa. Trata-se da concretização do terrível cenário que anunciamos em Ingerência Indevida, mormente quando se nota que as matérias são áridas o suficiente para confundir até especialistas.

Análises imediatistas podem fazer crer que tal novidade diminuirá a impunidade, pois dificultará que empresas se eximam, culpando seus diretores por supostos crimes.
No entanto, uma avaliação mais atenta mostra que a Polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário restarão atravancados com casos que haveriam de ser solucionados nas esferas administrativa e civil, por meio de multa, reparação e suspensão de atividades.

Cada fato pretensamente criminoso dará ensejo a processos administrativos, a ações civis ou fiscais, aos costumeiros inquéritos e processos-crime contrários aos dirigentes das corporações e, se aprovada a proposta, também a processos criminais relativos às próprias empresas, com gasto desnecessário de recursos públicos, tanto materiais como humanos.

As instâncias que haveriam de estar se dedicando ao esclarecimento dos crimes que realmente atormentam a sociedade passarão a desempenhar atividades sobejamente burocráticas, conferindo a falsa sensação de que os problemas de segurança pública estão sendo solucionados.

Os órgãos repressivos já não conseguem cumprir todos os mandados de prisão expedidos, nem fiscalizar as fronteiras, para impedir a entrada de armas, no território nacional. Também é insuficiente o índice de esclarecimento de crimes dolosos contra a vida. Por que, então, invadir seara alheia?

Além de sobrecarregar o sistema penal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica tem consequências econômicas igualmente deletérias. Empresas e indústrias já sobrevivem meio a um emaranhado de normas, muitas vezes, conflitantes, impossíveis de serem integralmente cumpridas. Excesso de normas implica porta aberta à corrupção.

Os entusiastas da malfadada responsabilidade penal da pessoa jurídica argumentam que a punição penal gera estigma.

Ora, estigmatizar as empresas prejudica funcionários e consumidores, serve apenas para alimentar uma ilusão de efetividade, satisfazer um discurso ultrapassado de demonização dos meios de produção; implica perseguir quem quer trabalhar, no lugar de buscar coibir e punir ações violentas e os desvios de verbas públicas, estes sim assunto de direito penal.

A esse respeito, interessante destacar que o projeto de novo Código Penal diminui a pena máxima do peculato de 12 (doze) para 8 (oito) anos. E o peculato é o tipo penal aplicado, por exemplo, às falsas licitações, feitas com o fim exclusivo de desviar dinheiro público. É bem verdade que o projeto cria o crime de enriquecimento ilícito, relativamente ao qual, cabe destacar, sabe-se haver grandes chances de ser declarado inconstitucional.

Ademais, deve-se ter em mente que criminosos não fundam empresas, eles armam fachadas, não havendo, portanto, qualquer sentido em processar pessoas jurídicas na esfera criminal. O estigma somente amedrontará empresas sérias, que lutam para se manterem em funcionamento, possibilitando o desenvolvimento do Brasil.
Em A Revolta de Atlas, Ayn Rand mostra bem onde pode chegar o país que coloca as empresas no banco dos réus.

(1) – “Art. 41. As pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

§ 1º A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destas.

§ 2º A dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a responsabilidade da pessoa física.

§ 3º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes referidos neste artigo, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la” (dispositivo constante do projeto de novo Código Penal, disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=110444&tp=1).

Relativamente à responsabilidade penal da pessoa jurídica, cabe conferir ainda os artigos 42 a 44.

Fonte: Presskit
Data: 31/08/2012

Deixe um comentário

20 − um =