“Brasileiro não acredita mais nem em verdades”, diz Janaina Paschoal em entrevista à Madeleine Lacsko

Em um balanço do primeiro ano de mandato, a deputada fala de Real Politik, a relação do povo com o poder, as tretas, Jair Bolsonaro e as eleições municipais.

Muitas pessoas tentam enquadrar a deputada Janaína Paschoal em algum estereótipo. É o maior erro de análise que se pode fazer. Ela não aceita pacotes prontos de ideias na política, na academia, nos relacionamentos pessoais, em religião, em nada. Exatamente por isso eu tinha tanto interesse em saber as análises dela depois de um ano de vivência real na “Real Politik”, à qual foi alçada por mais de 2 milhões de votos, a maior votação da história do legislativo brasileiro.

Embora tenha tido uma atuação política bastante destacada e debatida durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a professora de Direito não havia vivenciado a dinâmica de um mandato eletivo, da relação com os pares e cobranças da sociedade.

“O brasileiro está tão acostumado com mentira que, quando alguém fala a verdade, ele não acredita, ele se assusta”, analisa Janaína Paschoal após um ano de mandato.

 

A deputada relata uma espécie de ballet entre políticos e opinião pública em que sempre se busca a agenda escondida ou a forma de conduzir interesses não verbalizados. Um exemplo é o fato de já ter declarado que não pretende se candidatar a prefeita de São Paulo. Tem sido quase inútil fazer a afirmação. Como ela é deputada, não se lê a declaração como o que é, mas como um movimento político para conseguir outra coisa, talvez até a própria candidatura que ela afirma não querer.

O POVO E O PODER

É um esporte nacional colocar a culpa das nossas mazelas nos políticos, na safadeza deles, na falta de virtudes, no misto de demagogia com hipocrisia. Não seria possível que eles fossem as autoridades numa dinâmica social que impede a ascensão de quem reúne esse conjunto de características. Consciente ou inconscientemente, o conjunto dos políticos reflete o conjunto da sociedade. Querem exemplos?

Solenidades, entrega de honrarias, nomes de ruas e criação de datas ocupam demais a agenda legislativa e sempre são alvos de críticas. Talvez muita gente pense que os deputados têm essas ideias brilhantes porque não são capazes de praticar a grande política ou querem agradar determinados grupos poderosos. No dia-a-dia, não é exatamente assim.

“Eu percebi que não é culpa dos deputados, as pessoas vão lá pedir!”, conta Janaína Paschoal. Várias pessoas já pediram à deputada que crie datas comemorativas e ela, que continua sendo crítica desse tipo de projeto, passou a adotar a postura de sugerir que o cidadão busque algum colega que tenha mais relação com a bandeira proposta pela data. “É um pleito da sociedade, não é culpa do deputado. O deputado apanha e é criticado por fazer coisas que são solicitações da sociedade. Essa reflexão tem de ser feita e mais pessoas têm de falar isso claramente”, defende a deputada. Sem clareza, é impossível saber se a nossa sociedade quer prosseguir com esse processo ou mudar.

Outra questão é a das solenidades, festividades e homenagens. Quando debatemos o tema, a maioria é contra, considera desperdício de dinheiro público e perda de tempo. Mas, quando é uma cidade ou instituição que faz a própria solenidade e convida um parlamentar, a resposta negativa para o comparecimento é vista como ofensa, desfeita, ingratidão, falta de educação.

“Eu acho que eu iria ter muita dificuldade se eu fosse, por exemplo, presidente da República ou se eu tivesse muito poder porque eu acho que eu iria proibir solenidades. (risos) Ou iria, pelo menos, fazer uma dinâmica de grupo para as pessoas refletirem por que tanta medalha, tanta solenidade, tanta inauguração, tanta comemoração? Que horas esse povo trabalha?”, questiona Janaína Paschoal.

O ponto da deputada é que precisamos olhar a realidade e refletir se queremos prosseguir dessa forma ou mudar. Janaína Paschoal diz que é uma característica pessoal escapar dos eventos sociais desde a época de faculdade e não considera que seja superior a outras pessoas, mas ficou surpresa ao ver que a conduta dita como correta é recebida pela própria sociedade como ofensa.

“É muita expectativa porque cada um vota em você por uma razão, então não é incomum a pessoa escrever: ‘ah, votei em você e me arrependi porque eu imaginava tal coisa’. “, conta a deputada. Um exemplo recente é o da Reforma da Previdência estadual de São Paulo. Janaína Paschoal sempre disse abertamente que é favorável à ideia e queria discutir os detalhes do texto, mas há eleitores que ficaram muito decepcionados quando descobriram que ela está agindo exatamente da mesma forma que disse que agiria.

“Ou votaram por outras questões ou não perceberam muito proximamente o que eu vinha falando. É um exercício sociológico interessante esse de entender por que as pessoas votaram, o que elas estão sentindo”, analisa Janaína Paschoal.

AS TRETAS

É difícil que alguém acredite no relato de que Janaína Paschoal é muito doce e tranquila no dia-a-dia, tanto nas relações pessoais quanto profissionais. E ela ouviu este ano de muitos colegas deputados que faziam uma imagem completamente diferente, de pessoa brava, que tratasse mal ou de maneira agressiva os demais. Ela definitivamente não é assim. “Agora, tem hora que não dá”, admite a deputada.

“Quando há essas explosões, eu sempre reflito e acho que poderia ter feito diferente”, confessa Janaína Paschoal.

A internet ama as explosões de Janaína Paschoal. A primeira pública, antes de ser deputada, viralizou e foi remixada com inúmeros sucessos do Heavy Metal. A mais conhecida deste ano foi o bate-boca com o líder do PSL na Assembleia Legislativa quando ele subiu para fazer um discurso que não coincidia com os acordos de bastidores que já haviam sido costurados. Importante notar que não se trata de nenhuma negociata ou improbidade, apenas da tentativa de fazer marketing com um posicionamento apresentado como heroico e corajoso, mas só possível devido a acordos políticos e aceitação dos demais.

“Eu me irrito muito quando eu percebo que a pessoa está fazendo um teatro e está jogando para a torcida”, admite a deputada que, no primeiro ano de mandato, começou a perceber que o jogo de cena também é parte do cenário político: “A democracia não é só pensar diferente, as pessoas agem de forma diferente”.

A valentia de teclado virou um ativo importante no cenário político de hoje e, curiosamente, Janaína Paschoal não engrossa o time da gritaria virtual. Se, no confronto direto, algumas vezes ela sobe o tom, nas redes coloca suas posições e não entra na maior parte das chamadas “polêmicas do dia”.

“Às vezes parece que, para aparecer, você tem que estar sempre numa briga, entendeu? Em alguns momentos, eu acho até que eu deveria me manifestar, mas eu tenho feito o exercício contrário. Até entendo que as pessoas sejam apaixonadas e apaixonantes, mas seria bom, nesse momento, as pessoas se policiarem mais, de lado a lado”, diz a deputada.

Janaína Paschoal diz que, na realidade da política, mesmo quando se tem poder as mudanças são sempre lentas e, por isso, não entende como tanta gente se permite o luxo de perder tempo com embates que não vão levar a lugar nenhum além da manutenção dos embates. De qualquer forma, tem sido uma forma efetiva de muita gente chegar ao público: manter presença constante nas redes sociais sem necessariamente fazer bem o trabalho parlamentar.

Não é pela quantidade de projetos, presença em plenário ou frequência de postagens nas redes sociais que verificamos se o trabalho de um parlamentar é bom ou ruim. Embora os números sejam atraentes para dar ordem ao raciocínio, no caso de avaliação de parlamentares eles não fazem muito sentido. Importa mais a qualidade do trabalho desenvolvido e a capacidade de estudar temas, fazer propostas coerentes, se relacionar com os colegas, com os demais poderes e com o eleitorado.

“Eu participei de uma audiência pública em Brasília e me chamou muita atenção que algumas parlamentares entraram, fizeram um filminho e foram embora. E eu falei: ‘mas espera aí, que diabo de participação é essa?’ Parece que o filme é o fim. As pessoas estão muito encantadas com essas novas tecnologias, mas elas são o meio, não o fim. Se achar que é o fim, ela não produz nada”, analisa a deputada, que considera as redes sociais meios interessantes para informar a população sobre os resultados efetivos do trabalho dos políticos.

É difícil compreender como a deputada não reage ou comenta com compreensão a incessante enxurrada de agressividade que recebe pelas redes sociais. Difícil encontrar quem seja indiferente a Janaína Paschoal, há muitos que amam e outros tantos que odeiam. Assim que ela abre a boca, gente que nem sabe do que ela está falando aproveita para tentar depreciar a deputada intelectualmente ou questionar como ela se apresenta em público, criticar o cabelo ou a maquiagem. Como se dedica a anos a ensinar alteridade aos alunos na USP, acabou treinando a si mesma para esses embates.

“Sempre que alguém me agride, por princípio eu paro e reflito por que aquela pessoa está agindo daquela forma. Porque o problema pode nem ser comigo”, conta Janaína Paschoal.

BOLSONARO E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

“O presidente é intenso, né? Ele é uma figura intensa”, diz a deputada. “Ele só sabe liderar no conflito. Agora parece que deu uma tranquilizada, vamos ver. É o estilo dele, entendeu? Então a gente tem de entender que vai ser isso o tempo inteiro e torcer para que o conflito ficar no limite ali, ficar numa zona de conforto dentro do conflito. Porque o Estado de não conflito não haverá. Não haverá. É dele, é ele”, afirma.

“O único risco é ele querer ficar criando conflito, entendeu? Esse é o problema. Uma coisa é você ser uma liderança de conflito, que pode até ser algo muito útil, a depender do momento histórico. Mas uma coisa que me preocupa é a liderança criar o conflito”, diz Janaína Paschoal sobre Jair Bolsonaro.

Defensora das candidaturas independentes, caso que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, Janaína Paschoal gostou da saída do presidente Bolsonaro do PSL, considerando que poderia ser uma inovação. Mas “ele abrir outro partido é a mesma mentalidade tacanha de sempre, querer ser cacique”, analisa.

A deputada também conta que muito conflito foi gerado dentro do partido pela própria forma como a saída aconteceu. Tanto o esforço para criar um outro partido quanto a tentativa de levar um bom naco do PSL e do fundo partidário acabaram gerando brigas que estão longe de se resolver.

Janaína Paschoal prevê um clima quente para o ano que vem: “Algumas figuras que se apresentaram como candidatos ou candidatas são pessoas de conflito e são pessoas que vão nacionalizar a discussão. Infelizmente, talvez até por não terem programa para as cidades porque aquela pessoa que tem programa para as cidades não precisa nacionalizar”, explica.

Embora avalie que a dinâmica dos conflitos será diferente, a deputada não espera que o clima político arrefeça em ano de eleição municipal. O debate sobre temas nacionais e os conflitos envolvendo o presidente da República rendem discussões apaixonadas demais, que chamam a atenção da imprensa. Será que vai funcionar no caso de prefeitos e vereadores? Depende do quanto o cidadão comum ainda vai estar apaixonado por embates políticos.

Fonte: Gazeta do Povo

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