Assuntos sérios não podem ser tratados em bloco, o PL 5069/13 não pode passar!

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O país atravessa grave crise política, econômica e, sobretudo, moral. Por força de tal crise, junto a Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, pleiteei o impeachment da Presidente da República. No bojo das acaloradas discussões que tiveram lugar por todo o território nacional, seja relativamente aos crimes de responsabilidade atribuídos à chefe da nação, seja no que concerne aos sucessivos escândalos que atingem outras autoridades, incluindo o Presidente da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5069/13 teve seu trâmite acelerado e vem gerando muita polêmica. No início, dado o que se viu em algumas manifestações, houve certa confusão entre posicionamentos referentes ao impeachment e ao projeto. Com efeito, criou-se a sensação de que quem é favorável à saída da Presidente é também favorável ao projeto; por outro lado, os contrários ao impeachment seriam igualmente contrários ao projeto.

Posteriormente, a celeuma em torno do fatídico PL 5069/13 reascendeu a interminável discussão entre aqueles que se intitulam pró- vida e os pró- aborto. De forma quase automática, passou-se a entender que quem é favorável à legalização do aborto, necessariamente, deve ser contrário ao projeto; por outro lado, quem é contrário à legalização do aborto, por certo, deve ser favorável ao projeto.

Pois bem, um dos problemas que assolam o Brasil é justamente esse vício de avaliar temas sérios e, a toda evidência, independentes, em pacote.

Eu, por exemplo, sou favorável ao impeachment, tanto que o solicitei e, como já manifestei em outras oportunidades, sou contrária à legalização do aborto. Não obstante, entendo que o PL 5069/13 constitui um retrocesso, no que tange à assistência às vítimas de crimes sexuais.

Primeiramente, deve-se destacar que o projeto em referência altera a Lei 12.845/13 e também o Código Penal.

Para fins da prestação de assistência às vítimas, o PL prevê que para um crime ser tomado como violência sexual precisa resultar em danos físicos e psicológicos.

Ora, a assistência à vítima deve ser feita de forma imediata; é impossível condicioná-la à prova de danos físicos e psicológicos. Pense-se na hipótese de a mulher ser violentada por um homem, enquanto o outro a ameaça com uma arma. Como ela não pode lutar (sob pena de ser alvejada), não necessariamente a relação sexual forçada deixará danos físicos, sendo sabido que os danos psicológicos demandam uma análise mais refinada para serem detectados.

O polêmico projeto ainda prevê que, após os primeiros atendimentos, a vítima será levada à Delegacia para registrar a ocorrência. Lido em seu conjunto, nota-se que, se o projeto se tornar lei, a lavratura do Boletim de Ocorrência passará a ser uma obrigação.

Em sede de crimes sexuais, obrigar a vítima a denunciar resta descabido, pois ela pode pretender preservar sua intimidade, ou mesmo pode ter medo de enfrentar o agressor. Por óbvio, o ideal seria que todos os violadores (de homens e de mulheres) fossem denunciados e punidos; entretanto, não se pode atribuir essa pesada incumbência à vítima.

Os defensores do projeto têm dito que não há essa obrigatoriedade. No entanto, ao alterar o artigo 128 do Código Penal, o projeto condiciona, expressamente, a possibilidade de realizar aborto em caso de estupro, à constatação do crime em exame de corpo de delito e à comunicação à autoridade policial.

O número de estupros, no Brasil, cresceu significativamente. Demorou muito para que o poder público se ocupasse das vítimas de crime tão grave.

No início dos anos 2000, eu trabalhava na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, assessorando a Dra. Ana Sofia S. de Oliveira, quando a Dra. Mônica Espósito coordenou a implementação do Programa Bem Me Quer, que visava dar assistência completa à mulher vítima de crime sexual. Esse Programa foi a semente para a política que, hoje, se estendeu para todo o país, muito embora ainda não seja efetivamente assegurada a todas as vítimas.

Há até bem pouco tempo, mesmo em São Paulo, mulheres vitimadas fora da Capital não tinham acesso ao Kit, com remédios preventivos à gravidez, à contaminação com o vírus HIV e com doenças sexualmente transmissíveis. Há muitos anos, acompanho o sofrimento das vítimas e a falta de atenção do poder público. Se este projeto for convolado em lei, tenho absoluta certeza de que implicará um recuo.

Imperioso que fique claro que essa posição não guarda qualquer relação com ser favorável, ou contrária, ao aborto. Trata-se de olhar com sensibilidade para a mulher que o Estado não conseguiu proteger do crime mais bárbaro.

Os defensores do projeto argumentam que há mulheres que inventam terem sido estupradas, para recorrerem à rede pública a fim de abortar.

Pode ser que tais situações ocorram. No entanto, por força de uma minoria que mente, não se pode revitimizar a maioria.

Ademais, o projeto em questão cria muitos dispositivos que podem alcançar, injustamente, os profissionais de saúde e ainda tipifica comportamentos que já são crimes, como o auxílio, o induzimento e a instigação ao aborto.

Enfim, esses são apenas alguns dos motivos pelos quais o PL 5069/13 não pode passar. Essa concepção não tem nada a ver com feminismo, ou qualquer outra modalidade de ativismo. É apenas uma questão de justiça!

Janaina Conceição Paschoal, advogada e Professora Livre Docente de Direito Penal na USP, 17/11/2015.

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