Dalmo Dallari diz que crimes foram políticos, mas Janaína Paschoal contesta tese
Pedro Ivo Iokoi, mestre em direito processual, não vê “nenhum elemento que aponte que foi respeitado o direito à prova de Battisti”
FLÁVIO FERREIRA
CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA DA REPORTAGEM LOCAL
A decisão da Justiça italiana que em 1988 condenou Cesare Battisti à prisão perpétua levou especialistas em direito consultados pela Folha a divergir sobre a natureza dos crimes atribuídos ao italiano. A sentença abre margem para o seguinte debate: os delitos devem ser considerados crimes comuns ou políticos?
Battisti, condenado por quatro homicídios quando militava pelo grupo terrorista de extrema esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), pode se livrar da extradição pedida pelo governo da Itália caso o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheça que ele cometeu crimes políticos.
O início do julgamento do caso na corte máxima do país pode ter início na quarta-feira.
A Folha obteve a sentença do Tribunal do Júri de Milão e enviou-a para a professora de direito penal da USP Janaína Paschoal, o professor emérito da USP Dalmo Dallari, o mestre em direito processual pela USP Pedro Ivo Iokoi e os especialistas em direito criminal Eduardo Reale e Mariana Ortiz, do escritório Reale e Moreira Porto.
Após examinar a decisão, Janaína disse que a sentença não indica que os delitos tiveram cunho político. “Crimes políticos não podem ser confundidos com crimes com motivação política e ou ideológica”, disse.
Já Dallari afirmou que a sentença reconheceu “a motivação política das ações de que Cesare Batistti participou, o que leva à qualificação de seus atos ilegais, que resultaram em sua condenação à prisão perpétua, como crimes políticos”.
Ao analisar a sentença, os especialistas também apresentaram posições diferentes sobre a delação premiada e as outras provas da ação contra Battisti.
A decisão de 13 de dezembro de 1988 tem 747 páginas e aponta, além de Battisti, outras 22 pessoas que seriam as responsáveis por 68 atos criminosos, como roubo, sequestro, lesão corporal e quatro homicídios atribuídos ao PAC.
O texto da sentença indica que os delatores e membros do PAC afirmaram que os assassinatos atribuídos a Battisti foram objeto de reuniões prévias e discussões do grupo terrorista sobre a viabilidade, a oportunidade e as consequências políticas dos delitos.
Nestes encontros foram realizadas divisões de funções e ficou claro o cuidado de contatar órgãos de imprensa para que os crimes fossem reconhecidos como de autoria do PAC, segundo a sentença.
Após examinar a decisão, Janaína afirmou que “crime político deve ser entendido como ato de manifestação de pensamento, indevidamente criminalizado com o intuito de perseguição. Mas não se pode pretender políticos atos premeditados, deliberados, de matar, ferir, estuprar. Um grupo que se estrutura na prática de crimes, sobretudo contrários à vida, não é político”.
A especialista afirma que, pela decisão judicial, “percebe-se que as quatro mortes [atribuídas a Battisti] não se deram em um eventual confronto, no qual foi necessário matar, até em própria defesa, o que, em uma visão mais flexível, poderia até justificar tais atos”.
Já Dallari, após verificar a sentença enviada pela reportagem, disse ter posição contrária a este entendimento. Segundo o professor, na decisão “afirma-se, expressa e reiteradamente, que Cesare Batistti participou de atividades criminosas com objetivos políticos. Encontra-se, ali, expressamente, mais de dez vezes, a afirmação de que ele integrou um grupo que se formou e desenvolveu ações “al fine di sovvertire l’ordinamento dello Stato” [com o objetivo de subverter o ordenamento do Estado].
Direito de defesa
Os especialistas buscaram na sentença elementos para avaliar como foi a defesa de Battisti em relação às acusações.
O italiano, que havia fugido da Itália em 1981, tinha um advogado nomeado nos autos, mas diz que as procurações deste defensor eram falsas.
Janaína afirmou que “a decisão faz referência a sentenças anteriores, que teriam sido anuladas, o que faz supor que houve oportunidade de defesa e impugnação [para Battisti]”.
Já Iokoi afirmou que “em nenhum momento a sentença considera qualquer elemento de prova produzido pelo acusado e não aponta nenhum meio de prova por ele requerido. Logo, não existe nenhum elemento que aponte que foi respeitado o direito à prova de Battisti”.
Ortiz afirmou que mesmo o fato de Battisti estar representado no processo por um advogado não evitou prejuízos na defesa dele: “Battisti não teve condições de se opor pessoalmente às acusações dos delatores”, disse a especialista.
Fonte: Folha de São Paulo