A EXISTÊNCIA DE NORMAS NÃO GARANTE A AUSÊNCIA DE CRIMES

Em meio à COVID-19, um mal sem fim: a corrupção

Em plena emergência sanitária do novo coronavírus, por que os corruptos praticam irregularidades na gestão dos recursos públicos no combate à pandemia?

POR DANIEL GOMES E FERNANDO GERONAZZO

Em meio à COVID-19, um mal sem fim: a corrupção
Foto: Agência Brasil

A pandemia de COVID-19 levou as autoridades municipais, estaduais e federais a destinar mais recursos para a área da Saúde em todo o Brasil. Em muitos casos, a compra de equipamentos e insumos foi feita com a dispensa de licitação, dado o cenário emergencial. O propósito era o de salvar vidas, mas, ao menos em cinco estados e em duas capitais, conforme apurações da Polícia Federal (veja ao final deste texto), houve desvios de recursos públicos, contratos superfaturados e lavagem de dinheiro.

Essas situações de corrupção pouco diferem em sua estrutura das práticas deflagradas nas investigações do Mensalão, no início dos anos 2000, e dos crimes descobertos pela Operação Lava Jato, iniciada em 2014 e que já chegou a 77 fases. Especificamente sobre esta última, o rombo aos cofres públicos, a partir de desvios na Petrobras, é estimado em R$ 29 bilhões pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Deste montante, pouco mais de R$ 4 bilhões foram recuperados.

Nos recentes episódios de irregularidades relacionados ao combate da COVID-19, já houve algumas prisões. No Mensalão e nas investigações da Lava Jato, políticos e empresários foram condenados pela Justiça e alguns acabaram presos. Diante disso, a pergunta é inevitável: por que a corrupção permanece no Brasil? Para respondê-la, o jornal O SÃO PAULO apresenta um fórum de reflexão, com as considerações de expoentes da sociedade brasileira.

O tema que preocupa toda a sociedade merece especial atenção dos católicos, uma vez que a corrupção política é apontada pela Doutrina Social da Igreja como uma das mais graves deformações do sistema democrático.

Em meio à COVID-19, um mal sem fim: a corrupção

Após operações policiais e condenações judiciais decorrentes da Operação Lava Jato e de investigações do Mensalão, por exemplo, como entender que casos de corrupção na gestão pública continuem a ocorrer no Brasil, como se tem visto recentemente na compra de insumos e equipamentos para combate à COVID-19?

Deputada Janaina Paschoal – A EXISTÊNCIA DE NORMAS NÃO GARANTE A AUSÊNCIA DE CRIMES

Em importante publicação referente ao tema, o Papa Francisco advertiu que a corrupção é como o mau hálito: alguém precisa avisar que a pessoa tem ou está praticando.

Em meio à COVID-19, um mal sem fim: a corrupção
Janaina Conceição Paschoal

Esse registro é importante, pois é muito comum ouvir as pessoas reclamando da corrupção na política, entretanto, em várias oportunidades, toleram pequenas leniências, nem sequer percebendo se tratar de modos de corromper e ser corrompido.

As práticas corruptas posteriores às condenações prolatadas no âmbito do Mensalão e da Operação Lava Jato podem ser explicadas por vários fatores.

Especificamente no âmbito judicial, deve-se ponderar que muitas foram as decisões do Supremo Tribunal Federal, revertendo prisões, anulando diligências e até feitos inteiros. Apesar de essas decisões buscarem alicerce no assim chamado garantismo jurídico, a bem da verdade nada têm a ver com isso, uma vez que a observância dos direitos fundamentais (de investigados, acusados, condenados e presos) não pode afastar a observância dos direitos fundamentais de vítimas e a proteção da própria sociedade.

Legislativamente, também houve retrocessos. Instituíram o juiz de garantias, que, apesar do nome pomposo, na prática cria uma nova instância no longo trâmite processual penal. Com efeito, de forma surpreendente, enquanto a população clamava pela prisão em segunda instância, o assim chamado pacote anticrime se desviou do seu objetivo e o processo acabou se tornando ainda mais longo!

Não bastasse, no cerne da descaracterização do pacote anticrime, estabeleceu-se a obrigatoriedade de o magistrado apresentar nova fundamentação para manter a prisão preventiva. Incrivelmente, alguns juízes utilizaram a novidade jurídica até para soltar integrantes do crime organizado!

Já há muito tempo, aliás, o delito econômico (envolvendo empresários e políticos) anda de mãos dadas com a criminalidade comum organizada. Nesse cenário, resta dizer que ocorreu uma reorganização dessas várias transgressões, visando a neutralizar os avanços que houve entre 2016 e 2018.

A esse respeito, imperioso destacar que, na medida em que as investigações, ações, condenações e até prisões passaram a alcançar integrantes das mais diversas siglas partidárias, a resistência ao processo de depuração do País ganhou fortes adeptos.

Obviamente, a existência de normas não garante a ausência de crimes. O diagnóstico acima, ainda que breve, deve servir para buscar evitar que mudanças nas leis e decisões judiciais funcionem como estímulos à ilicitude, incluindo a corrupção. Como, porém, ensina Santo Agostinho, estamos na Cidade dos Homens. O que nos resta é, incessantemente, buscar os parâmetros da Cidade de Deus.

Janaina Conceição Paschoal, advogada, livre-docente de Direito Penal na USP, deputada estadual em São Paulo (PSL) e uma das autoras da denúncia que resultou no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff

 

Fonte: O São Paulo

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